11.11.05

Sons que ficam

É inevitável que cada fim de ano traga consigo aquela contagiosa mania das listas, premios e restrospectivas que normalizam a memória colectiva. Tomo por isso a inciativa de me antecipar a essa inexorável avalancha editorial e, sem qualquer espécie de tentação evangelizadora, partilhar convosco, estimados companheiros, algumas descobertas de sons que me vão ficando deste 2005. Sem qualquer ordem ou hierarquia. Apenas puro prazer.




Trio Rouge
Intuiton / Dargil

Uma tuba, um violoncelo e uma voz. É da canzone tradicional italiana que se ocupa este Trio Rouge, com especial atenção à província central da Umbria. Foi por lá que nasceu Lucilla Galeazzi, a cantora que habilmente convenceu para esta ideia dois músicos franceses com um pé no jazz e outro na clássica. Nos braços de Michel Godard, uma tuba pode soar a qualquer coisa entre um trompete e um didjiridu. Tão depressa o ouvimos desenhar fraseados com a agilidade de um canário como imitar os ruídos matinais de um mamífero de grande porte. Depois há o violoncelo de Vicent Courtois, também ele capaz de perder e ganhar calorias como lhe dá na gana, alongando-se com extraordinária facilidade entre agudos virtuosos e graves musculados. À frente de ambos, a voz educada mas crua de Galeazzi, senhora de um sentido rítmico apaixonante. Uma colecção feita de juras de amor, palavras de resistência ao fascismo italiano e outras canções de sangue quente – parte de repertório tradicional, a maioria composta pelos três músicos – envolvida numa orquestração tão improvável quanto bem conseguida.