1.9.05

Tiques e infortúnios

Queiram os companheiros perdoar este longo silêncio de dias, mas tenho andado às avessas com as tecnologias da informação e da comunicação (para encurtar o comboio do verbo, há quem simplesmente lhes chame TIC). Primeiro foi o meu computador. Esta máquina desavergonhada que insiste em demonstrar diariamente a total e descarada falta de respeito que por mim nutre. Os amúos são frequentes. Umas vezes surgem sob a forma de bloqueios de processamento de informação que se alongam em autênticas greves; outras, as verdadeiramente deseperantes e assassinas dos meus brandos costumes, envolvem a perda do trabalho de algumas horas, seguida de uma mensagem, tão telegráfica quanto indecifrável, que me dá a escolher entre o sim e o sim. "Encontrei um erro fatal, código xpto, vou ter que encerrar. Ok?" Ok ou quê? Por que raio insiste este asno cibernético em embrulhar a sua teimosia em contumélias de boa educação? "Carissimo otário: venho por este meio informá-lo que, por força do meu capricho, vou assassinar sumariamente todos os seus projectos do dia e despejar o esforço, empenho e dedicação que esses seus gentis dedos gordurosos imprimiram laboriosamente no meu teclado e no meu rato [supondo que o bicho é macho] pela latrina dos meus chips. Queira fazer o favor de acusar recepção desta mensagem e o obséquio de validar o inevitável. Cordiais saudações. Atentamente, Pentium IV". Irritante tique desta TIC (experimentem dizer isto depressa).

Mas não terminam aqui as minhas desventuras tecnológicas. Como bem se recordam os queridos companheiros, foi este vosso humilde amigo vítima em tempo recentes de um crime vil. Enquanto trabalhava arduamente para merecer direito à paz e ao pão (e a uma ocasional sopa de cação), uns gatunos descarados decidiram partir o vidro lateral direito da minha modesta viatura para furtar o meu ainda mais modesto telemóvel (esse sim, um saudoso aparelho de elevado carácter e grande envergadura moral, fiel trabalhador e admirável resistente que passou a merecer todo o meu respeito depois de ter sobrevivido - sem sequer se desligar - a duas quedas consecutivas no fosso dos leões do Estádio de Alvalade). Pois fiquem os estimados colegas a saber que, menos de quinze noites volvidas sobre esse infeliz episódio, foi este vosso camarada de armas e bagagens alvo de novo infortúnio. Passo a relatar.

Disfrutava eu de uma frugal refeição em pé, suportando nos ombros o jugo da responsabilidade de ter de regressar apressadamente ao posto de trabalho, quando tudo se sucedeu a uma velocidade vertiginosa. Viro-me momentaneamente para solicitar a cedência de um adereço à gentil empregada que assomava volumosamente sobre o balcão e deixo nas minhas costas as duas caras amigas que partilhavam comigo a urgência da alimentação que é inimiga de qualquer esófago. Nisto, aproximam-se dois cidadãos romenos que recentemente decidiram expandir negócio além fronteiras e agora investem todo o seu talento e empreendedorismo empresarial entre nós. "Sinhôra moeda, sinhôra compre, sinhôra por favor". As caras amigas declinam educadamente a gentil oferta de negócio e deixam claro o seu desinteresse perante os múltiplos e insistentes pedidos disparados em apenas dez segundos. Há uma empregada do estabelecimento que pede aos senhores o obséquio de levarem o seu negócio para outro lado. E há o silêncio que se segue (silêncio). É então que este vosso honrado comparsa se vira para a exígua mesa redonda e atira: "saberão as estimadas amigas me informar onde se encontra o meu telemóvel?" As cenas que se seguem têm tanto de lamentável como de previsível. Há um estridente "Ai aqueles f**h*s da *u**a" que se solta de uma educada garganta feminina traída pela supresa. Segue-se uma ofegante corrida até à porta, muitos olhos que nos olham na rua, percebendo o desepero, e dedos que apontam, denunciantes: "foram por ali". Há depois uma violenta corrida de uns bons oitocentos metros, entre as ruas da baixa lisboeta, empregue a uma velocidade suficiente para cumprir os mínimos olímpicos. Tudo isto termina com a desistência resignada deste vosso infeliz parceiro, prestes a regurgitar os próprios brônquios e entristecido por não ter já a agilidade e largura de passo suficientes para alcançar aqueles dois chausescos de uma figa.

Desolado frente a este torpe cenário, sobrava neste coração fustigado pela desgraça dos dias uma única consolação: a de imaginar o Ivan Burlesco e o Hadgi Põetafresco (permitam-me a liberdade criativa de baptizar os agentes do meu descontentamento) deliciados com as lindas imagens guardadas no malogrado aparelho, mostrando cada um de vós, ilutres companheiros, em poses de backstage e camarim.

2 Comments:

Blogger cbarata said...

Bolas, chiça, gaita, c'os diabos!!!

quinta-feira, setembro 01, 2005 2:25:00 da tarde  
Blogger Antonio Prata said...

Esta geringonça da internete afinal é de um humanismo surpreendente. Ainda mal refeito dos abafos dos telemóveis, e logo um bloguista lhe oferece um blogue onde naturalmente poderá comprar outro telemóvel e quiçá outros pechisbeques indispensáveis. E seguramente por causa da história dos oitocentros metros com os bofes e fígados de fora, um outro bloguista oferece tratamentos homeopáticos... estás safo.

sexta-feira, setembro 02, 2005 3:04:00 da manhã  

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