13.8.05

À Ronda do Mundo

A música diz-se do mundo quando dela se quer dizer que é feita de uma espécie de tecido artesanal que não condiz com esse outro produzido em série por uma indústria cultural omnipresente. O que significa que se diz do mundo precisamente aquela música que é expressão íntima de uma parte concreta desse mundo. E aí começa o paradoxo da etiqueta: o querer encontrar afinidades que permitam coser numa mesma manta tudo aquilo que se valoriza exactamente pela sua singularidade telúrica.

Entramos na loja da FNAC de Les Halles, em Paris (fica bem este apontamento, dá ideia de um narrador culto e viajado, que trata por tu os mapas e as ruas das grandes capitais do mundo) e encontramos um nobre salão, de consideráveis proporções, exclusivamente dedicado à musique du monde. Lá dentro, Amália senta-se ao lado de Atahualpa Yupanqui, Vinicius de Moraes esvazia uma garrafa com Piazzolla, Paco de Lucia está a dar palheta a June Tabor, Ali Farka Touré galanteia sorrateiramente as curvas de Miriam Makeba, tudo isto enquanto a Ronda dos Quatro Caminhos anima a festa (mais um apontamento subtil). Toda esta gente foi convidada porque, aos ouvidos de um francês, toda esta gente partilha um estranho laço de parentesco e merece alojamento nesse grande albergue espanhol a que se chama world music.

Porque a dimensão local que se procura na música do mundo é sempre a do local do outro. O que significa que a música só é do mundo quando ouvida do lado de lá. Do lado de cá, é simplesmente identidade e tradição. Mesmo quando os caminhos da identidade são infiéis à tradição, se deixam miscigenar e confundir – porque, é sabido, a identidade só ganha sentido na interminável procura.

E tudo isto é recíproco. Por cá, assim que apanhamos o Mustaki ou o Manu Chao a jeito, enfiamos com eles no mesmo quarto que a Lhasa e a Susana Baca. Mas não deixa de ser prazenteira a ideia de que a arte de quem dedica o seu trabalho e afecto a uma tradição local soe aos ouvidos alheios a música que é do mundo e, nesse sentido, em certa medida universal, património de todos.

Foi por estes caminhos que dei por mim a sorrir para a ideia do novo disco da Ronda. Ela já anda aí. Está a crescer. Falta agora apenas que os astros e as agendas se alinhem - o que, no caso desta ilustre pandilha, raramente é tarefa fácil. Enquanto estiver a ser criado, será nosso e de mais ninguém. Depois – assim haja sorte e engenho - será do mundo.